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terça-feira, 22 de abril de 2014

Lua Vermelha (Benjamin Percy)

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Autor: Benjamin Percy
Nº de páginas: 432
Editora: Arqueiro
Série/Saga: 1
Nota: 4,5/5









“A violência é o que define a humanidade, é ela que determina manchetes, decide eleições e estabelece fronteiras; o mundo inteiro se reduz à questão de quem bate em que com mais força.” p. 322
Criaturas como vampiros, lobisomens e similares, frequentemente tiveram sua natureza relacionada ao sobrenatural. Mas nem sempre. Há uma linha de abordagem segundo a qual a origem desses seres passa a ser permeada por cientificidade. Duas séries lançadas no Brasil representam essa tendência, A Passagem, de Justin Cronin, com vampiros e Lua Vermelha, de Benjamin Percy. Falemos do segundo.

Claire Forrester é um jovem prestes a completar o ensino médio quando tem sua vida subitamente transformada. Certa noite sua casa é invadida por tropas e seus pais sumariamente assassinados. O detalhe é que Claire não é um jovem normal, ela é um licana e agora tem de fugir para que não encontre o mesmo fim dos seus pais.

Patrick Gamble está de mudança, seu pai vai partir para uma missão no exterior e ele passará um tempo na casa da mãe, em outro estado, praticamente uma nova vida. Patrick é um humano, mas como tal ele logo se verá lançado no eterno embate entre humanos e humanos “licanos”. Um acontecimento vai lhe angariar o título de Menino-Milagre.

O governador do Oregon, Chase Willians, reforça o sentimento de adversidade entre os cidadãos. Assume um discurso segregacionista, buscando limitar ainda mais os direitos dos licanos. Com o discurso ácido o governador começa a elevar suas chances de chegar à presidência.

A Resistência, um movimento licano radical, tem realizado uma série de atos terroristas, sequestros, bombas, assassinatos em massa. De ambos os lados as posições têm se extremado, os indivíduos, licanos ou não, acabam por serem lançados nessa maré de ódio.

A vida de nenhum dessas pessoas será mais a mesma. Eles estão prestes a vivenciar um período de escuridão. A noite da Lua Vermelha se aproxima, e com ela um futuro no qual a humanidade se modificará.

Inteligente é um adjetivo que bem comporta o trabalho de Benjamin Percy. O que se apresenta na narrativa bem construída, com riqueza de detalhes, personagens bem caracterizados, revelações surpreendentes. Tudo isso ornado por uma atenção aos detalhes digna de nota. Mas não somente isso. Gamble, por meio de suas criaturas, parece fazer uma metáfora da realidade humana. Ele faz uma grande simplificação, as pessoas estão divididas entre homens e homens licanos, portanto, todos os preconceitos - de qualquer ordem - se restringem a esses polos. Com efeito, de um lado temos humanos ofendidos pela presença de seres demasiadamente diferentes, que precisam ser controlados, segregados, isolados. As reações às fricções provenientes dessa situação são muito bem trabalhadas. Movimentos de resistência, pacíficos, violentos, indiferentes.
“O licano se move tão depressa que Patrick quase não consegue distingui-lo ou gravar uma mensagem; sabe apenas que se parece com um homem, só que coberto por uma penugem cinza (...). Seus dentes cintilam. (...) O sangue espirra e tinge as janelas do avião, pinga do teto. Às vezes a coisa está de quatro, outras vezes equilibrada nas patas traseiras. É corcunda. Tem a cara dominada por um focinho achatado e dentes compridos e afiados como dedos magros, o sorriso ossudo de uma caveira. E as pastas, imensas, ornadas por longas unhas, estão avidamente esticadas e rasgam o ar. O rosto de uma mulher é arrancado feito uma máscara. O intestino é removido de um ventre. Um pescoço é devorado até o osso em um beijo apavorante. Um menininho é puxado e arremessado contra a parede, fazendo silenciar seus gritos.” p. 19
Para completar o cenário Gamble acrescenta cenas de ação, violência e acontecimentos atraentes durante toda a leitura. Os personagens estão sujeitos às condições mais adversas, e há uma tendência no autor de eliminar indivíduos sumariamente relevantes. O final reserva uma surpresa esmagadora.

Lua Vermelha surge como um livro de abordagem inventiva, formado a partir de ideias inteligentes, o que só poderia render uma ótima leitura. Patrick Gamble merece a atenção do leitor. Em definitivo. 



terça-feira, 8 de abril de 2014

Ratos e Homens (John Steinbeck)

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Autor: John Steinbeck
Nº de páginas: 144
Editora: L&PM
Série/Saga: -
Nota: 5/5









“Ele é um bom sujeito – disse Slim. – A gente num precisa sê inteligente pra sê bom. Às veiz, eu fico achando que é bem o contrário. Se a gente pega um sujeito bem isperto, ele quase nunca é um sujeito bom de verdade”
John Steinbeck é um dos maiores nomes da literatura americana. Vencedor do prêmio Pulitzer, tendo acumulado posteriormente o Nobel de Literatura. A obra mais conhecida do autor é As Vinhas da Ira. Mas decidi conhecer o autor por uma de suas obras “menores”, Ratos e Homens.

Em Ratos e Homens somos apresentados a uma dupla de trabalhadores rurais. George e Lennie. Embora estejam juntos há muito tempo os dois são figuras bem diferentes. George é um tipo mais compacto, consciente e decidido. Já Lennie incorpora o estereótipo do gigante tolo, ingênuo, que apesar de possuir uma força descomunal não tem sentido dela. Com isso, institui-se uma relação de dependência entre os dois. George é a mente, Lennie é a força. Ainda assim, existe um sentimento de companheirismo entre os dois, amizade talvez. Em um mundo no qual os trabalhadores vivem caminhando isolados é muito bem vindo ter um parceiro.

Os dois estão a caminho do seu próximo emprego. Trabalhar em uma fazenda de cevada. Antes eles trabalhavam em outra cidade, mas tiveram de fugir. Ao que parece Lennie cometeu alguma tolice, e não é a primeira. Nesse novo emprego os dois acalentam o plano de juntar dinheiro para poderem realizar seu sonho. Comprar um pedaço de terra e viver dela. Construindo uma espécie de paraíso particular. Com plantas, animais e uma vida tranqüila. Parece que tudo depende de Lennie não fazer nenhuma besteira.
“Claro que todo mundo qué isso. Todo mundo qué um pedacinho de terra, nem precisa sê muito. Só uma coisinha da gente. Só uma coisa pra sobrevivê, e pra ninguém podê ixpulsá a gente de lá. Eu nunca tive nada. Já trabalhei nas plantação de quase todo mundo desse estado, mas as plantação num era minha, e quando eu fazia colheita, a colheita nunca era minha. Mas agora a gente vai consegui, e também num vai fazê nenhum erro.”
A premissa do livro é bem simples. Parece se tratar apenas da condução da vida confusa e conturbada de trabalhadores rurais. Steinbeck não para por aí. Claro que o elemento da observação social se faz presente. Não apenas pela percepção do trabalhador rural, mas também na questão do racismo e da segregação. E outro ponto muito importante: a relação entre seres humanos.

Lennie é a figura central em Ratos e Homens. É um personagem que muito me lembrou, o também gigante, Jonh Coffey, do filme À Espera de um milagre. Não pelo que eles têm de comum, mas pelas suas diferenças. São homens de rara força física, que não tem noção desse poder. São figuras de todo simples, e na acepção mais pura, inocentes. Contudo, Coffey impressiona pelo contraste entre seu tamanho e sua delicadeza. Já Lennie é tudo, menos delicado. O que considerando sua capacidade física e suas restrições mentais oferece uma receita perigosa. George é um personagem a ser considerado, sua relação com Lennie, ainda que não seja de todo conveniente, assumiu um caráter de inércia. Eles começaram amigos e assim continuarão. Afinal, é preciso que um tome conta do outro. Mesmo que seja George o responsável por Lennie.

Ratos e Homens não é um livro alegre. Em absoluto. Não é oferecida ao leitor uma bela história de satisfações de anseios rurais. Steinbeck apresenta ao leitor uma história, em essência, triste. De modo nenhum desassociada da realidade. E que traz em seu curso a acusação da crueldade humana, da dificuldade dos relacionamentos entre seres humanos, e da fragilidade dos sonhos terrenos.